quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

LITERATURA HISTÓRICA


Nossa concepção judaico-cristã do tempo é linear e teleológica. De santo Agostinho a Hegel e Marx, a história foi vista como uma sucessão de acontecimentos conduzindo a um Apocalipse ou a um fim harmonioso. Segundo essa tradição, a lógica da história pode escapar-nos no particular, mas é um pressuposto obrigatório, quer ela se chame Providencia ou Razão. A concepção da história literária que predominou e se instalou como disciplina acadêmica é uma concepção linear, causalista e finalista. A história literária que se criou e se firmou sob a égide da história geral positivista é condicionada por essa lógica da sucessão.
A história geral nos foi contada durante séculos como uma seqüência de acontecimentos comandada por uma genealogia de grandes homens. A história literária esboçou-se e fixou-se segundo o mesmo esquema, oriundo das genealogias bíblicas. Daí decorreu uma concepção da tradição como fonte de ensinamentos. Os grandes escritores do passado seriam os Pais e Mestres, que os novos escritores deveriam honrar e imitar. Ora, embora a literatura nasça sempre da literatura, a lógica desse engendramento não é muito clara. Na pratica, as relações dos novos com os antigos nunca foram meramente sucessivas, nem unívocas, nem inequívocas.
Apesar disso, a história literária “oficial” nos tem apresentado uma listagem de nomes alinhados em seqüência cronológica, como se, essa fosse a única lógica. Segundo os manuais literários que ainda reinam nas instituições de ensino, os “movimentos” ou “escolas” ter-se-iam sucedidos uns aos outros, segundo um balanço e compreensíveis, sínteses.
Essa história da literatura que os manuais nos dão é apenas uma forma, ela mesma historicamente datada. A própria história, como disciplina, já tomou consciência da existência de uma “história da História”, na qual essa forma racionalista e continua é apenas um episodio. A historiografia dos meados do século XX passou a buscar estruturas cronológicas; conjuntos que permitissem a percepção de sentidos, mas do que alinhamentos em que a simples diacronia fingisse uma inelutável casualidade.
Ressalvada as particularidades de suas contribuições, esses escritores-criticos coincidem na negação da pertinência e/ou da conveniência de uma história literária diacrônica e linear.
• Eliot afirma a permanência do melhor do passado no presente, propondo uma recuperação de todos os tempos no tempo atual.
• Pound também privilegia o presente, dando-lhe não só direito, mas o dever de reformular o passado, num processo permanente de revisão.
• Borges propõe uma inversão da linha temporal que é uma negação do tempo.
• Paz postula uma nova concepção do tempo na história literária, uma relativização que é, por um lado, comum a todas as ciências do século XX e, por outro, consubstancial ao modo de ser da poesia, temporal e atemporal.
• Butor defende uma reinvenção do passado com vistas a uma continuação aperfeiçoadora.
• Calvino propõe a releitura infinita e presentificadora dos clássicos. Solters reprograma a escrita em função de umas rupturas filosóficas, estéticas e política: o resultado é uma espacialização dessa história.
• Campos propõem uma valorização sincrônica antropofágica.
A convergência dessas propostas indica uma tendência forte da poética moderna. Por caminhos mais pessoais ou gregários, mais intuitivos ou mais conceituais, numa forma ora aforistica, ora argumentativa, esses escritores críticos chegam todos a mesma fundamental afirmação: a história literária não é concebível em termos de uma linha traçada e conhecida uma vês por todas, porque a literatura é sempre função da leitura, isto é, presentificação valorativa do passado.

PERRONE-MOISÉS,Leila. Altas Literaturas. São Paulo: Companhia das Letras, 1998

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