quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Analise do soneto de Gregório de Matos e Guerra


À margem de uma fonte, que corria
Lira doce dos pássaros cantores
A bela ocasião das minhas dores
Dormindo estava ao despertar do dia.

Mas como dorme Sílvia, não vestia
O céu seus horizontes de mil cores;
Dominava o silêncio entre as flores,
Calava o mar, e rio não se ouvia,

Não dão o parabém à nova Aurora
Flores canoras, pássaros fragrantes,
Nem seu âmbar respira a rica Flora.

Porém abrindo Sílvia os dois diamantes,
Tudo a Sílvia festeja, tudo adora
Aves cheirosas, flores ressonantes.


O texto apresentado acima é um soneto lírico amoroso cuja autoria é atribuída ao poeta Gregório de Matos e Guerra. Observamos nesse soneto um jogo de palavras que nos conduz num ritmo cadenciado nas sonoridades das silabas tônicas e também nas rimas intercaladas, nos quartetos e o quiasmo nos tercetos (aurora/canoras, parabém/nem). Como é comum na literatura da época, este soneto também apresenta rimas interversicais, ou seja, ABBA/ABBA/CDC/DCD. Todo o soneto apresenta uma linguagem simples e acessível a qualquer leitor.
Logo na primeira estrofe no primeiro e segundo verso nos deparamos com uma ambigüidade que passa despercebido por muitos leitores, quando o sujeito-lírico diz “À margem de uma fonte, que corria” observe que ele introduz uma vírgula, talvez propositalmente para criar esta dúvida nos leitores, o que provavelmente deveria está correndo é a fonte ou “a lira doce dos pássaros cantores”? Pela lógica tendemos a pensar que seria a melodia dos pássaros que circulava naquele ambiente. No terceiro e quarto verso da primeira estrofe, temos ali uma sinestesia quando o poeta coloca que as suas dores estavam dormindo ao despertar do dia, isto, provavelmente deve significar momento de leveza na qual o sujeito lírico presenciava ou também, o que é mais prudente, “a bela ocasião de suas dores” seria a sua amada, sendo assim ela se encontrava dormindo ao despertar do dia.
Na segunda estrofe do poema, logo no primeiro verso, observamos a presença de uma entidade da mitologia grega estereotipada na figura de sua amada “Mas como dorme Sílvia, não vestia”. Essa incorporação de elementos mitológicos era muito comum na literatura produzida nessa época, a qual ficou conhecida como o período clássico ou renascentista, pois, os poetas retornavam a idade antiga buscando inspiração para compor os seus poemas através da filosofia grego-romana e pela busca da razão e valorização do homem como um ser dotado de competências para poder traçar seu destino. Sílvia, provavelmente, foi um pseudônimo adotado pelo eu - lírico para referi-se a sua amada. Para o sujeito lírico Silvia era o motivo de seu dia está escuro e a natureza está monótona, pois ela se encontrava dormindo. Se analisarmos a figura de Silva dentro do contexto mitológico, veremos que para a mitologia grega, ela é considerada uma Ninfa, ou seja, deusas-espirituais que habitavam nos lagos, riachos, bosques e florestas. Camões já utilizou essa figura (Sílvia) em uns dos seus sonetos atribuindo a ela o mesmo valor que o poeta a atribui:
Num bosque que das Ninfas se habitava,
Sílvia, Ninfa linda, andava um dia;
subida nüa árvore sombria,
as amarelas flores apanhava.

Nessa estrofe do soneto de Camões observamos que ele busca inspiração dessa Ninfa. Autores posteriores a Gregório também utilizou a mesma figura, inclusive o poeta Castro Alves e uma de suas obras mais famosas “Espumas Flutuantes”:

Sílvia! a morte abre-me os dedos,
És livre, Sílvia... caminha!
Minh'alma é como a andorinha,
Que alegre o fio quebrou.

Neste soneto o eu – lírico comparou a sua amada a uma deusa, fazendo uma analogia entre a falta que as Ninfas faz natureza e a falta que a sua amada faz em sua vida.
A terceira estrofe é uma continuação da segunda, em que o sujeito lírico demonstra a falta que a sua amada a Ninfa de seus sonhos faz em seu mundo e qual são as conseqüências dessa falta em sua vida. O eu - lírico em todos os momentos utiliza o recurso metafórico para demonstras os seus sentimentos.
Na ultima estrofe ocorre o despertar de Sílvia, a sua Ninfa inspiradora, logo no primeiro verso ele utiliza outra metáfora comparando os olhos de Sílvia a dois diamantes “Porém abrindo Sílvia os dois diamantes”, comprovando mais uma vez que verdadeiramente o sujeito poético utilizou-se da figura mitológica para comparar com a sua amada. No segundo verso da quarta estrofe vemos o regozijo e exaltação da natureza quando ocorre o despertar da Ninfa, mostrando ser dessa forma a natureza a própria essência do eu lírico e Silvia a sua deusa, qual é outro ser a não ser divindades que recebem exaltação?
Concluímos dessa forma, que o soneto apresenta na primeira estrofe de maneira subentendida qual é a razão da tristeza e desilusão do eu lírico, na segunda e terceira estrofe através de metáforas o eu lírico fala das conseqüências desse sofrimento, já na quarta estrofe ele aponta qual é a solução para sanar o seu sofrimento.

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